Arquivo para download: A axiomática capitalista segundo Deleuze e Guattari. De Marx a Nietzsche, de Nietzsche a Marx, por Rodrigo Guéron

 “[...] muitas vezes uma linha de fuga de caráter especialmente minoritário e marginal, começa a aparecer em toda parte, em palavras de ordem, em enunciados, em imagens-clichês. É neste momento que o capital dá os seus comandos e cria os seus padrões. É assim que samba, jazz, rock-punk, funk deixam de ser produzidos marginalmente para virarem, na linguagem do 'mercado', algo como 'ativos da indústria cultural': mercadoria. Mas de fato nunca serão apenas isso, haverá quase sempre um resto libidinal, potências que não se sujeitam às operações de axiomatização da produção (que podem ser operações identitárias e mercadológicas, por exemplo), que constituem as virtuais possibilidades de novas linhas de fuga. [...] Todavia, se a axiomatização passa por um decisivo processo de criação semiótica, não poderíamos compreender o capitalismo como uma forma de organização social onde haveria apenas despotencialização da linguagem, ainda que tenhamos sempre a impressão que as sociedades capitalistas se caracterizam por uma imensa inflação não só de palavras, mas de signos em geral que, como um papel moeda inflacionado, podem ter qualitativamente e quantitativamente pouca potência e valor. Há aí, no entanto, uma operação de poder essencial ao capital: despotencializar a linguagem por meio de uma curiosa operação de força, isto é, força como contra-força (improdução, contra-produção) com vistas a desmontar as potências que a linguagem sempre traz consigo. O signo vira assim palavra de ordem, um comando — tal como uma imagem se torna um clichê — iniciando uma série sem antecedentes. Eis o axioma. Desta forma, uma bela canção, uma estrofe potente de uma poesia, imagens desconcertantes de um filme, ou até de uma pintura, rapidamente podem virar meros clichês publicitários. […] Deleuze falando da maneira como os 'meios de comunicação' estressam a informação para não informar quase nada, e nem produzir nenhum saber, e sim uma série de comandos e palavras de ordem, é um exemplo disso. Mas este não é o único exemplo, embora os outros lhes sejam próximos. O que vemos, em geral, é uma operação semiótica de força, que fala, intima, comanda, não pelos conteúdos destes signos já moribundos, mas pela forma como o capital mesmo se jacta de exibi-los como bem entende. Por isso uma estética das revoltas de 1968 pode virar uma propaganda de calça jeans, ou um comercial de banco pode exibir um discurso contra o 'consumismo'. No entanto, como axiomas, esta operação tem também um sentido simples de comando, ou seja, 'agora vocês já podem usar jeans', assim como não serão mais vistos como 'subversivos perigosos' e 'comunistas' se criticarem o consumismo”.

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