Arquivo para download: Bergson, por Gilles Deleuze

Um grande filósofo é aquele que cria novos conceitos: esses conceitos ultrapassam as dualidades do pensamento ordinário e, ao mesmo tempo, dão às coisas uma verdade nova, uma distribuição nova, um recorte extraordinário. O nome de Bergson permanece ligado às noções de duração, memória, impulso vital, intuição. Sua influência e seu gênio se avaliam graças à maneira pela qual tais conceitos se impuseram, foram utilizados, entraram e permaneceram no mundo filosófico. Desde Os dados imediatos, o conceito original de duração estava formado; em Matéria e memória, um conceito de memória; em A evolução criadora, o de impulso vital. A relação das três noções vizinhas deve indicar-nos o desenvolvimento e o progresso da filosofia bergsoniana. Qual é, pois, essa relação?

[...] A primeira característica da intuição é que, nela e por ela, alguma coisa se apresenta, se dá em pessoa, ao invés de ser inferida de outra coisa e concluída. O que está em questão, aqui, é já a orientação geral da filosofia; com efeito, não basta dizer que a filosofia está na origem das ciências e que ela foi sua mãe; agora que elas estão adultas e bem constituídas, é preciso perguntar por que há ainda filosofia, em que a ciência não basta. Ora, a filosofia respondeu de apenas duas maneiras a uma tal questão, e isto porque, sem dúvida, há somente duas respostas possíveis: uma vez dito que a ciência nos dá um conhecimento das coisas, que ela está, portanto, em certa relação com elas, a filosofia pode renunciar a rivalizar com a ciência, pode deixar-lhe as coisas, e só apresentar-se de uma maneira crítica como uma reflexão sobre esse conhecimento que se tem delas. Ou então, ao contrário, a filosofia pretende instaurar, ou antes restaurar, uma outra relação com as coisas, portanto um outro conhecimento, conhecimento e relação que a ciência precisamente nos ocultava, de que ela nos privava, porque ela nos permitia somente concluir e inferir, sem jamais nos apresentar, nos dar a coisa em si mesma. É nessa segunda via que Bergson se empenha, repudiando as filosofias críticas, quando ele nos mostra na ciência, e também na atividade técnica, na inteligência, na linguagem cotidiana, na vida social e na necessidade prática, enfim e sobretudo, no espaço, outras tantas formas e relações que nos separam das coisas e de sua interioridade. 

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